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A acumulação de lixo nos oceanos afeta profundamente a qualidade do ecossistema marinho, e o seu impacto tem vindo a crescer de ano para ano. Anualmente, cerca de 10 milhões de toneladas de lixo vão parar ao mar e aproximadamente 640 mil toneladas de material de pesca é perdido, rejeitado ou abandonado no mar, designando-se genericamente por redes fantasma. Em Portugal o conhecimento concreto desta realidade é ainda reduzido, pelo que trabalhos de investigação na área são prementes.

As redes e artes de pesca que eram constituídas por materiais biodegradáveis como o algodão e a madeira, passaram nos anos 70 a serem produzidas por materiais sintéticos como o monofilamento de plástico (nylon) e o aço revestido a vinil. Estes materiais mais duradouros constituíram uma vantagem para os pescadores, mas favoreceram o aumento de redes fantasma, e consequentemente o aumento da poluição. Estima-se que os covos de plástico (armadilhas utilizadas na captura por exemplo de polvos) poderão durar entre 2 a 15 anos e as redes de emalhar podem durar uma década.

Uma das medidas mitigadoras em vista para a diminuição efetiva da eliminação dos impactos negativos das redes fantasma passa por voltar às origens, utilizando materiais biodegradáveis.

Neste contexto, surge o projeto “Nem tudo o que vem à rede é peixe” cujos objetivos propostos são:

  1. Quantificar e minimizar os impactos das redes fantasma;
  2. Investigar alternativas ambientalmente sustentáveis que minimizem a perda de artes de pesca no mar;
  3. Sensibilizar as comunidades piscatórias para a minimização dessa perda;
  4. Promover a recuperação e reciclagem das artes de pesca perdidas e/ou danificadas.
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Compreender o problema das redes fantasma em Portugal é essencial para possibilitar a sua prevenção e mitigação, por um lado, e consciencialização social, por outro. No entanto, os dados atualmente existentes relativos às artes de pesca perdidas só existem para a costa sul portuguesa.

No âmbito do projeto “Nem tudo o que vem à rede é peixe” pretende-se, não só estudar a costa sul de Portugal, mas também alargar a área à costa continental ocidental.

Assim, e no âmbito do objetivo 1 do projeto “Quantificar e minimizar os impactos das redes fantasma”, pretende-se obter informação sobre o tipo, número e razão pela qual as artes de pesca são deixadas no mar.

No que diz respeito ao objetivo 2 “Investigar alternativas ambientalmente sustentáveis que minimizem a perda de artes de pesca no mar”, serão estudados materiais alternativos e processos de atuação que reduzam a perda de artes de pesca no mar e que minimizem os impactos no caso de perda irrecuperável.

Relativamente ao objetivo 3 “Sensibilizar as comunidades piscatórias para a minimização da perda de artes no mar”, a ação passará pela sua formação e promoção de alteração de comportamentos.

Por fim, e no que se refere ao objetivo 4 de “promoção da recuperação e reciclagem de artes perdidas e/ou danificadas”, serão realizadas iniciativas que permitam a aquisição de boas práticas que melhorem a recolha voluntária das artes de pesca perdidas/abandonadas.

 

 

 

Foto por DOCAPESCA

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Os impactos que as artes de pesca perdidas ou abandonadas no mar trazem são vários, atuando ao nível da fauna, do habitat, da economia e da poluição.
Ao nível da fauna, o maior impacto está na mortalidade causada a espécies alvo e não alvo das pescarias uma vez que as redes fantasma continuam a capturar indivíduos, contribuindo para um aumento significativo da mortalidade e diminuindo a sustentabilidade das pescarias. Para além de peixes e crustáceos, as redes fantasma capturam também outros grupos animais como répteis (tartarugas), aves e mamíferos (cetáceos), tornando-se um grave perigo em particular para espécies de elevado valor conservacionista, de estatuto vulnerável ou em perigo (IUCN).

Relativamente ao habitat, a sua afetação depende muito da região, do tipo de fundo, da profundidade a que ocorre a pescaria e do tipo de arte envolvido. As redes de emalhar e de arrasto causarão mais ameaças do que o palangre ao serem arrastadas por correntes. Também os fundos arenosos e vasosos são menos sensíveis que as pradarias marinhas e zonas de corais e esponjas, tipicamente áreas mais produtivas em termos de ecossistema.

Do ponto de vista económico e para os pescadores, há a assinalar os custos diretos necessários para a substituição das redes perdidas e o aumento dos custos (diretos e indiretos) envolvidos na atividade pesqueira para capturar espécies cada vez mais exploradas. Alguns estudos referem que cerca de 90% das espécies mortas pelas redes fantasma são de valor comercial enquanto outros referem valores inferiores, desde 5% para a pescaria no Mar Báltico até 20-30% para a pescaria norueguesa do alabote-do-Atlântico.

Em relação à poluição, a degradação dos materiais sintéticos que compõem as redes de pesca é difícil de estimar, não se sabendo o tempo que possam permanecer na natureza, contribuindo para a acumulação de plásticos no oceano. Muitos animais podem morrer devido à ingestão destes plásticos ou por ficarem neles emaranhados. Como resultado da fragmentação dos resíduos resultantes das redes fantasma surgem os microplásticos que, ao entrarem nas cadeias tróficas e acumulando-se ao longo desta, podem atingir níveis muito elevados nos predadores de topo, o que aumenta os riscos para a saúde destes animais, bem como para a saúde humana associados à ingestão destes organismos marinhos.

Estes impactos podem, no entanto, serem mitigados. Na próxima notícia daremos a conhecer como.

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Para mitigar os impactos das redes fantasma, várias medidas têm sido sugeridas nomeadamente preventivas, mitigadoras e de resolução.

As medidas preventivas englobam o uso de tecnologias para evitar a perda e promover a localização das artes de pesca (tendo em vista a futura remoção).
As medidas mitigadoras passam pela redução do impacto das redes fantasma passando pelo desenvolvimento de novos materiais, preferencialmente biodegradáveis.

As medidas de resolução, mais dispendiosas, compreendem a identificação e remoção das artes de pesca. Incluem esforços para localização das artes usando tecnologias adequadas como o sonar, introdução de sistemas para identificar redes fantasma e programas de recuperação das artes.

Entre todas as medidas, as mitigadoras que passam pela utilização de materiais biodegradáveis são as que poderão resultar numa diminuição efetiva da eliminação dos impactos negativos das redes fantasma. A utilização de novos materiais biodegradáveis já provou que é possível a substituição dos materiais das redes tradicionais por outros que, ao longo do tempo, não apresentam os problemas referidos. Se, por um lado, estes materiais ainda são dispendiosos, a necessidade de substituição garantirá a sua fabricação em larga escala e consequentemente a sua viabilidade económica.

No projeto “Nem tudo o que vem à rede é peixe”, pretende-se precisamente pesquisar novos materiais biodegradáveis que possam ser usados como matéria-prima para as artes de pesca e que tenham uma eficiência piscatória equivalente às artes atuais.

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Fonte: Kim et al., 2016. Animal Conservation 19 (2016) 309–319. doi:10.1111/acv.12256

Nas redes de pesca é utilizada uma grande diversidade de materiais. Até aos anos 60 eram de origem natural (matéria-prima era o algodão e o cânhamo), mas após a 2ª Guerra Mundial e com o aparecimento do nylon, as fibras sintéticas rapidamente substituíram as naturais. O excelente desempenho na pesca, alta resistência e preço reduzido contribuíram para a sua utilização mundial no fabrico de redes de pesca. No entanto, as redes sintéticas apresentam uma grande desvantagem: são muito resistentes à degradação quando perdidas, abandonadas ou descartadas no mar, contribuindo para a pesca fantasma.

Para além do impacto direto das redes fantasma na fauna, flora e ambiente, os materiais sintéticos que as constituem com o tempo fragmentam-se em pequenas partículas que eventualmente acabam por se acumular nos ecossistemas e podem vir a ter efeitos cumulativos significativos a longo termo.

Assim, tornou-se percetível que uma opção promissora na redução de redes fantasma seria a utilização de materiais que se decompusessem na água do mar por ação de fungos e bactérias. Esta foi a opção escolhida pela República da Coreia que tem utilizado um método de produção de redes de pesca utilizando resinas biodegradáveis que se decompõem por ação microbiológica.

No mesmo âmbito, Kim e colaboradores (2016) estudaram as propriedades físicas e a viabilidade comercial de uma rede de monofilamento baseada numa resina biodegradável. Os resultados do estudo revelaram que as redes biodegradáveis:

  • se degradavam imersas em água do mar ao fim de dois anos, perdendo a partir daí a capacidade de capturar organismos marinhos (durabilidade estimada das redes de nylon é de vários anos a décadas quando imersas em água do mar);
  • os produtos finais de degradação são o dióxido de carbono, o metano e a água, não trazendo impacto adicional para os ecossistemas marinhos (as redes de nylon podem perder a sua capacidade de pesca fantasma, mas não desaparecem dos ecossistemas, uma vez que se degradam em microplásticos que continuam a perturbar os ecossistemas marinhos;
  • capturaram cerca de 98,6% da espécie alvo e menor percentagem de espécies acessórias e juvenis em comparação com as redes de nylon.

As principais desvantagens identificadas prendem-se com o eventual período mais curto de vida útil comparando com as redes de nylon (que se situa nos 3 a 12 meses), e o custo inicial mais dispendioso. Estes dois fatores poderão dificultar a produção e utilização destas redes biodegradáveis e eventualmente a sua adoção terá de ser subsidiada no período de introdução ao mercado. Mas estes novos materiais provaram que em certas condições contribuem para a redução da pesca fantasma, podem reduzir a captura de peixe imaturo e ajudam à redução do lixo marinho produzido pela pesca.

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